sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Vindos da periferia, eles sonham ser profissionais


Jardim Paris, Heliópolis, Jaguaré, Paraisópolis... Literalmente, dos cantos da capital paulista foram selecionados os jogadores que vão representar o país em Milão.
– São todos garotos em situação de risco social. O que tem a melhor condição mora em Cohab – diz o técnico Pupo Fernandes, desde 2004 à frente da Seleção Brasileira.
O primeiro filtro foi no último dia 19, no ginásio do Pacaembu, em um torneio envolvendo entidades sociais da capital. Após a seletiva, 15 atletas passaram por entrevistas com psicólogos. Então surgiu a Seleção. Mais uma na vida deles.
– Aos 11 anos, fui de Heliópolis ao Morumbi a pé para uma peneira. Cheguei lá tinha mais 5 mil, quase desisti – recorda Rafinha, de 18, que ficou no São Paulo até os 13.
Outros também passaram por escolinhas de clubes grandes e até chegaram ao “profissionalismo”.
– Fui sozinho jogar no Ypiranga (PE), fiz duas partidas com o time principal e morei embaixo do estádio – lamenta Tiago, antes de ser repreendido em coro: “Não reclama. Pelo menos tinha o que comer”.
Para comer em São Paulo, Chokito e Bafo, ambos de 18 anos e atletas da várzea paulistana, trabalhavam em uma metalúrgica, fazendo janelas de alumínio. Já o goleiro Flaysmar teve mais sorte:
– Minha mãe diz que ou eu trabalho ou jogo futebol – conta.
A mãe do caçula do time, com 16 anos, vende geladinhos (sorvetes caseiros em saquinhos) na rua. O pai nunca teve emprego fixo desde que veio de Pernambuco (Flaysmar tinha 11 meses) e chegou a voltar a Cabrobó (PE) para fugir da miséria. Por isso o filho aprendeu o valor do futebol.
– Esses tênis? Ganhamos na várzea. É pagamento. Não ligo, o calção é do Corinthians, a calça do São Paulo – revela o palmeirense, descrevendo o uniforme.
– É profissionalismo – conclui o fã do goleiro Marcos, seu ídolo desde a Copa de 2002, quando pela primeira vez teve televisão em casa.


Bate-Bola Pupo Fernandes técnico da Seleção Brasileira


Por que o Brasil nunca ganhou esta Copa do Mundo?
Não tem como comparar nossa situação de risco com a dos europeus. Eles são todos fortes, grandes. Nossos jogadores são quase todos subnutridos. Na Inglaterra, há “homeless” que são classe média para o Brasil.

Qual a maior dificuldade como técnico da Seleção?
O pós-Copa. Lá eles dão até autógrafos, mas depois precisam voltar para a realidade.Por isso desde 2008 passaram a trabalhar só com jovens?Sim, é muito mais fácil mudar a vida de um jovem do que de um senhor de 40 anos.

Há muitos problemas durante a Copa do Mundo?
Há. Muitos jogadores tentam ficar nos países, que são de Primeiro Mundo. Foi o que aconteceu com o Afeganistão (campeão mundial em 2008), que não deve jogar a Copa este ano porque os jogadores não queriam voltar da Austrália.
A escolha é apenas técnica?
Não. Primeira há triagem das entidades. Depois psicólogos avaliam cada situação. E eu escolho só a parte do futebol.

O que vai mudar para 2010?
Com a Copa no Brasil, não será mais uma seleção só de paulistas. Queremos selecionar garotos por todo o Brasil.

Com a palavraMarcel Merguizo editor do LANCE!

"O esporte mostra uma das saídas"

Quando estávamos saindo do Buraco Quente, um dos moradores abordou o carro da reportagem e avisou: “Estão dando batida, vão lá ver o contexto que esses meninos vivem”. Já na Av. Washington Luis, vimos seis carros do GOE (Grupo de Operações Especiais) em uma das vielas que dá acesso à favela. Alguns ouviram tiros. Lembrei dos garotos que ainda sonham ser jogadores. Talvez já seja tarde. Mas para tirá-los do crime há tempo. E, para isso, não precisam ir a Milão.
Jornal Lance

Publicada em 4/9/2009

Marcel Merguizo

Nenhum comentário: