sábado, 28 de fevereiro de 2009

Vibrando e torcendo por uma utilização digna do Quintinão


O Estádio Quintino de Lima - mais conhecido como “Quintinão’’ – foi o palco para campeonatos amadores e profissionais tanto nas taças São Paulo de Juniores como de jogos regionais e internacionais. Foi no gramado do Quintinão que Ronaldinho Gaucho, Kaká, Robinho, Diego, Falcão, Adriano da Inter de Milão entre outros nos presentearam com grandes espetáculos, levando-nos ao delírio.Nesse gramado, considerado algumas vezes como a melhor sede, tivemos quatro taças São Paulo, vários campeonatos paulistas com o C.A. Paulistano, campeonatos amadores, duas pré-temporadas com Corinthians e Santos, ambas treinada por Vanderlei Luxeburgo. Na taça São Paulo de 2002, dois jogos foram transmitidos ao vivo para todo Brasil pela ESPN Brasil e o narrador colocou o nosso estádio como um dos mais bonitos do país, tendo como pano de fundo uma linda cachoeira e muito verde. Mas não foram apenas shows futebolísticos: as verdadeiras manifestações de solidariedade quando em jogos beneficentes conseguimos arrecadar toneladas de alimentos para a felicidade co-autores de um espetáculo que todos são sempre vencedores também tornavam esse cenário diferente e de uma beleza rara.

Infelizmente,o palco do Quintinão mudou de cenário, ou melhor, de cenários: estacionamento, rodeio e até trio elétrico. O Estádio Quintino de Lima deveria mudar de nome: Arena Multiuso Quintinão. Isto que vem acontecendo é um desrespeito com aqueles que construíram, desconsideração com aqueles que utilizam e um descaso com aqueles que possam vir utilizar.

No ano passado, o C.A. Paulistano alugou uma arquibancada por seis meses no valor aproximadamente R$ 50 mil reais, mas o estádio não teve condições de uso, pois o gramado ficou prejudicado com rodeio de 2008, tendo assim de os jogos serem realizados em outras cidades. Em se pensando ainda nos eventos esportivos, nos resta uma pergunta: serão os jogos regionais 2009 iguais ao de 2007? Para quem não sabe ou não se lembra, as partidas tiveram que ser realizadas em cidades vizinhas porque as quadras das escolas estavam em reforma.

São Roque necessita de um parque de eventos para que possamos mostrar o que há de melhor em nossa região, elevar o nome de nossa cidade e oferecer nossos produtos típicos. Sigamos o bom exemplo de cidades como Barretos, Cajamar, Jaguariúna , as quais têm seus parques de eventos em áreas amplas, afastadas do centro e com toda infra-estrutura.

É dever de todo cidadão preservar patrimônios públicos e de as autoridades fazerem a sua parte. É direito da população ter lugares apropriados para cada evento e exigir soluções rápidas para a restauração do Quintinão. Afinal, o dinheiro do rodeio deve ser investido e o mais correto seria com a reforma do estádio.

Fiquemos aqui, parados e à espera de soluções. Quem sabe em breve poderemos aplaudir o espetáculo de atuação de nossas autoridades e o Quintinão voltar a ser o orgulho do povo sanroquense.
Flávio Fernandes - Pupo

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

A seleção brasileira do Brasil


Braços cruzados, cabelos negros com gel penteados para trás, óculos e um cavanhaque denso. Ele acompanha a bateria de exercícios à beira da quadra e os gritos de Ariel Mendes, o sempre insatisfeito preparador físico. O nome dele não é Dunga, mas a seleção é brasileira.

Em uma manhã indecisa de outubro, entre o sol e a chuva, Rodrigo ainda sonhava. Duas semanas depois, acordou para ouvir más notícias. Sentado na outra ponta da gangorra, Bruno está tentando juntar dinheiro para trazer alguma lembrancinha da Austrália. Em comum, os dois têm Deus como ídolo.

Às 11h15 do dia quatro de outubro, começa o treino físico do Brasil. A Granja Comary não é ali, portanto, apenas resta negociar. Após problemas burocráticos impedirem o ingresso nas dependências do campus centro da Anhembi-Morumbi, a delegação nacional segue em comboio para um complexo esportivo sob o Viaduto Alcântara Machado, na zona leste paulistana, a cinco minutos da faculdade.

São quatro quadras, duas de grama artificial (society) e duas de futebol de salão. Uma lousa pendurada em um dos pilares do viaduto mostra os times que fizeram reserva e os horários em que as utilizarão. O esquadrão de Nego Bill está presente na Society I às quintas, das 21h30 às 23h30.

Banheiros químicos, mesas de pingue-pongue, de pebolim e de cimento, sobre a qual adultos jogam dominó, complementam a decoração do espaço público revitalizado pela prefeitura, mas pelo qual se paga para jogar, da mesma forma que em qualquer campo particular. A taxa é de R$ 150 por mês.

Felizmente, as pessoas ainda respeitam a pátria de tênis e Célio Andrade, o caseiro do lugar, cedeu sem ônus uma das quadras para a equipe canarinho. Justamente aquela que reserva na mureta da entrada uma sábia frase escrita quando o cimento ainda estava fresco: “Jesus e u camio i a vedade i a vida”.

Andrade é quem arrecada o dinheiro “utilizado para a manutenção e limpeza”, segundo afirma, e abre e fecha os portões de ferro que cercam o espaço. Outros dois homens fazem a segurança durante a madrugada e mantém o antigo estacionamento de carros e ônibus livre de invasões.

Enquanto os locatários com coletes coloridos utilizam os campos de piso sintético, o escrete brasileiro saltita e trota no piso de cimento, próximo ao povo. Após alongamento e corrida, 11 jogadores em linha pulam sobre seis bolas pequenas. A maioria veste camisa verde escuro com uma faixa ondular verde fluorescente, que nasce no ombro direito e vai até a axila esquerda. O uniforme inclui ainda calções cinza e meias brancas.

Mas, esse não é o traje oficial e sim a roupa de treino da última copa. “A Nike ainda não mandou o uniforme deste ano”, comenta Flávio Fernandes Rodrigues, o Pupo, apelido pelo qual é conhecido o técnico da seleção brasileira de futebol de rua. Além da marca de material esportivo, a faculdade Anhembi-Morumbi e o Corinthians apóiam a equipe. A primeira oferece local para treinamento e acompanhamento psicológico, enquanto o segundo entra com alojamento e a estrutura física para a fase final de preparação.

De 01 a 07 de dezembro, oito atletas disputarão em Melbourne, capital da Austrália, a sétima edição da Copa do Mundo de Futebol de Rua. Em 2009, a competição acontecerá na Itália e em 2010, pela primeira vez, na América do Sul. O Brasil concorre com a Argentina e o Chile para sediar o torneio daqui a dois anos.

Três na linha e um no gol formam o time que pode incluir homens e mulheres a partir de 16 anos. Os jogos acontecem em quadras com piso semelhante a piche, para fazer referência às ruas, e a arena é cercada por um material semelhante a tapume

Em dois tempos de sete minutos, os jogadores precisam balançar as redes dos gols com 1,20 m de altura por 4 m de comprimento. Não há juiz e o empate leva a partida para os pênaltis

A partir dessas características, Pupo buscou dois alas técnicos, um goleiro veloz e um fixo que chuta bem. Entretanto, os requisitos técnicos não são os mais relevantes. A Organização Civil de Ação Social (OCAS), responsável por escolher os jogadores no Brasil, priorizou jovens entre 16 e 19 anos em situação de risco. Dos 90 garotos ligados a entidades assistenciais de comunidades carentes de São Paulo e de São Roque, restaram 11 nomes escolhidos em uma seletiva. Desses, oito ficaram.

Bruno nasceu em Heliópolis, mas agora vive na Vila Moraes, bairro próximo ao Ipiranga. Em toda a breve carreira, enfrentou cerca de cinco peneiras e é apontado por Pupo como um dos destaques do time. A mãe o cobra para que se dedique ao futebol e o padrasto o apóia Atlética Artmanha, gue trabalha com jovens da comunidade onde viveu até a pré-adolescência. Depois, jogou no Palmeiras. Porém, não ficou muito tempo. “O cara que me indicou não era muito forte”, comenta. A seguir, atuou em um Centro de Treinamento do Juventude de Caxias do Sul, em São Paulo, até o projeto ser extinto. Seu último clube foi a Portuguesa, do qual saiu após torcer o tornozelo antes de assinar o contrato.

Magro, andar gingado e panca de jogador, parece compreender os ensinamentos pragmáticos do futebol moderno. “Prefiro não inventar, fazer o básico”. De segunda, quarta e sexta, aprimora o preparo físico com um professor de educação física em Santo Amaro. Às terças e quintas, trabalha com bola na Denilshow, em Diadema, escola de futebol do jogador Denílson, ex-São Paulo, atual Palmeiras. Tudo de graça.

Para se distrair, o garoto evangélico vai à Igreja. “Eu me divirto com Deus”. Quando questiono sobre o planejamento para o caso de não ser escolhido, logo interrompe. “Eu vou ser escolhido, tenho fé”. E continua. “Espero abrir portas. Ter essa oportunidade é o que muitos jovens da periferia gostariam”.

Pela primeira vez, a OCAS prepara um time sem vendedores de revista. Com sete anos de vida, a entidade surgiu para editar uma publicação homônima. A Revista OCAS é vendida em São Paulo e no Rio de Janeiro por pessoas em situação de rua ao preço de R$ 3. Deste valor, R$ 2 ficam com o vendedor. “Nosso objetivo é resgatar a auto-estima oferecendo renda, cultura e interação com o público”, afirma Guilherme Araújo, presidente da Organização.

A Copa do Mundo de Futebol de Rua foi criada em 2003 pela Rede Internacional de Publicações de Rua (INSP), da qual a OCAS faz parte. A idéia inicial era utilizar o futebol para aumentar a visibilidade das revistas em todo o mundo. Em 2008, uma outra possibilidade entrou em jogo: oferecer alternativas a jovens por meio do esporte. De quebra, o Brasil aumenta a chance de surpreender potências como Portugal, Rússia, Escócia e, principalmente, os países africanos, e de melhorar a colocação em relação às últimas edições. O melhor resultado foi um quarto lugar na Áustria, em 2003. No ano passado, a equipe brasileira chegou em 22.º lugar.

Anderson perdeu a oportunidade de prosseguir no grupo devido ao compromisso com o exército e o conseqüente excesso de faltas. Ricardo sobrou pelo fator social: era superior na capacidade e inferior na necessidade. Já Rodrigo Santos, 20 anos, o mais velho entre os 11 na penúltima etapa da avaliação, preencheu todos os pré-requisitos: desempregado, mora em Paraisópolis, segunda maior comunidade da cidade de São Paulo, ao lado da mãe, da irmã, e da filha de uma outra irmã.

Pele morena queimada pelo sol, jeito introvertido, cabelos curtos do lado e mais altos na parte de cima, ele joga como fixo. Aos 15 anos, ingressou no primeiro time, o Real Paraisópolis. Aos 16, passou a fazer parte do Pequeninos do Jockey, e dois anos depois, realizou um desejo de infância: passou a treinar no Corinthians, pelo qual torce.

Tudo ia bem até a mãe, único salário da casa, ser demitida. A falta de trabalho provocou o corte da verba para duas conduções: valor de ida ao clube e de volta para casa. Estrategicamente, passava por baixo da catraca do ônibus Pinheiros e pagava para viajar no Rio Pequeno. Na volta, era o Canto do Rio quem colaborava com a manutenção do sonho do então meio-campista. Os últimos três anos foram de jogos na periferia, especialmente na Associação Comunitária Cultural, Educacional e Esportiva Renato 11 e Amigos, em Paraisópolis.

Rodrigo tem um “plano B”, no qual não quer acreditar. “Um cara de 20 anos dentro de casa é vagabundo, né. A mãe cobra e diz que nessa idade depender só dela é ruim. A OCAS é a última chance”, afirma, antes de conhecer a lista de aprovados. Essa será a sua última peneira. A chance, como lembrou à mãe, de mudar a própria vida e a da família. Caso não consiga passar, garante que São Paulo conhecerá um especialista no segmento elétrico automotivo.

No sábado em que nossa reportagem acompanhou a seleção, Rodrigo acordou às 06h30. Normalmente, levanta entre meio-dia e uma da tarde. Saiu de casa às 07h47 e embarcou no ônibus Largo São Francisco. Jamilton Jesus Oliveira, o “China”, responsável pela Renato 11 e Amigos, ajudou com o valor da passagem. Na estação Sé do metrô, pegou uma carona até a Anhembi-Morumbi, ponto de encontro da equipe. Vestiu um par de chuteiras cinza gastas e sujas, com detalhes azuis desaparecendo. Correu como os outros e imaginou que, enfim, os joelhos marcados por quedas no campo e cravos de chuteiras adversárias poderiam estar no caminho certo para conhecer o profissionalismo.

Uma semana após nos conhecermos, mesmo sem título de eleitor e sem certificado de reservista, Rodrigo conversou com Guilherme e ouviu do presidente da OCAS que deveria se apresentar, que dariam um jeito nisso. Estava de malas prontas quando recebeu um golpe fatal. A tia estava muito doente no hospital.

Ela faleceu. Ele resolveu descartar o campeonato, a viagem, as quatro linhas. “Pretendo parar com o futebol”, lamenta. Não sem antes deixar uma ressalva. “Mas, se pintar alguma oportunidade...”

Quando a Copa acabar, Lucas Teixeira, Anderson de França, Denis Strutz, Eduardo Silva, Diego Emanuel, Carlos Santos, Roberto Silva e Adeilton Bruno da Silva voltarão para as comunidades das quais saíram, afastadas do centro de São Paulo. Unânime é o desejo de retornar com uma boa notícia: um bom contato ou um vultoso contrato assinado com algum time. Grande, de preferência, mas nem precisa ser do coração.

A voluntária comissão técnica, formada pelo técnico Pupo e um representante da Ocas, ainda não conseguiu patrocinadores para embarcar a delegação em direção ao Novíssimo Mundo. Mesmo assim, não duvida que colocará os pés na Austrália. Brasileiro não desiste nunca, especialmente a seleção brasileira do Brasil.

Escrito por Luiz Carvalho
www.anonimatosa.com

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Um drible no destino


Torneio mundial de futebol de rua reúne centenas de jovens na Austrália e mostra o potencial do esporte na batalha contra a exclusão


Seleções de 56 países botaram 500 de seus melhores atletas para correr atrás do valioso título. Emissoras de rádio e TV, jornais e sites não disputaram privilégios na cobertura nem se estapearam por uma entrevista exclusiva com o craque em evidência. Aliás, os jogadores não têm contratos milionários, e muitos nem sequer emprego ou casa para morar. Mas a Homeless World Cup, Copa do Mundo dos Excluídos, foi um espetáculo de muita garra, fome de bola e sede de mudança.


A iniciativa, da Organização Internacional de Jornais de Rua (INSP, sigla em inglês), agrega projetos e publicações voltados para moradores de rua do mundo inteiro e tem apoio da União das Associações Europeias de Futebol (Uefa), da ONU e patrocínio de um fabricante de material esportivo. Em 2003, a INSP decidiu promover o primeiro campeonato mundial do gênero. A competição, na Áustria, seria o pano de fundo para uma série de fóruns que debateria a exclusão social. O objetivo era reunir essas pessoas numa grande confraternização de intercâmbio cultural por meio da linguagem universal do esporte. Deu certo. O campeonato teve sequências anuais.


O Brasil começou a participar em 2003 com um time montado pelo programa Criança Esperança. Em 2004, na Suécia, a Organização Civil de Ação Social (Ocas), que edita uma revista homônima vendida por pessoas em situação de rua e de risco social, convocou o escrete brasileiro. O time ficou em 15o lugar, entre 26 países, não tanto por falta de treinamentos, mas de alimentação adequada, de hábitos saudáveis e de algum conforto na vida. Para encarar a disputa é preciso ter muito fôlego. Nesse futebol, os times têm apenas três jogadores na linha e um no gol. Eles chegam a jogar até três vezes no mesmo dia.


Em 2005, na Escócia, com mais treino, depois de aliviar o “peso” do uniforme verde-e-amarelo (adotaram camiseta preta e laranja), o time, mais leve e mais entrosado, ficou em 11o. No ano seguinte, na África do Sul, ficou em 16 o numa disputa entre 48 países, mais acirrada.


Naquele ano, a Ocas ampliou o perfil dos jogadores. Além dos vendedores da revista, o grupo foi reforçado com outros moradores de albergues. Foi assim que Tula Pilar e Ivo Fernandes dos Santos se conheceram. Pilar, ex-doméstica, estava sem trabalho e a ponto de ser despejada de casa quando passou a vender a revista Ocas. Começou a estudar inglês e voltou para o ensino médio. “Passei a frequentar saraus e minha vontade de conhecimento cresceu. Um monte de gente ria de mim, mas eu não ligava”, conta. Logo foi convidada para participar da seleção.


Outra vida


Num dos treinos estava Ivo - grande, forte e sedutor. Adepto da musculação e da capoeira, o mineiro foi para São Paulo atrás de emprego e deparou-se com a difícil condição dos albergues, até aparecer a possibilidade de ir para a África, em 2006. “Em albergue é tudo muito ruim, mas isso me ajudou, porque minha vida mudou. Quando eles falaram que precisavam de goleiro, agarrei a oportunidade. A viagem e a Pilar mudaram minha vida, hoje tenho um lar”, diz Ivo, olhando nos olhos de Pilar, de quem tem muito orgulho.


Ela era a única mulher do time. Não chegou a jogar com os homens porque a competição estava pesada, mas não fez feio na disputa feminina. A Copa abriu portas. “Foi ótimo conhecer o país dos meus ancestrais. Depois que voltei me chamaram para dar palestras e participar de eventos. Estou estudando, quero montar um show de música, dança e poesia para apresentar em casas de cultura. E já consigo pagar minhas contas”, afirma Pilar, animada.


O perfil do campeonato vem mudando ano a ano. Assim como o Brasil, que pode ser sede do evento em 2010, outros times também querem se profissionalizar - sem perder de vista o aspecto social. Na Austrália, em dezembro, em vez de vendedores de revista e albergados, a Ocas convocou sete ONGs que atuam com futebol e educação em comunidades carentes. Elas selecionaram seus melhores jogadores e a organização escolheu, com critérios social, comportamental e técnico, os oito que representaram o país.


Para o presidente da Ocas, Guilherme Araújo, a mudança na forma de montar a seleção acompanha a evolução da competição. “O viés social sempre vai existir. É uma forma de dar visibilidade ao time brasileiro e promover as vendas da revista Ocas, que ajuda muita gente a sair das ruas”, explica. Foi essa mudança que ajudou o Brasil a subir da 16 a para a 7 a posição em 2008.


De acordo com a organização mundial do evento, 77% dos participantes alteram, de alguma forma, a situação de exclusão a que estavam expostos: arrumam uma casa para morar, deixam as drogas e o álcool, conseguem trabalho, voltam para a escola e resgatam laços com a família. Estudo feito após a Copa de 2005 apontou que 12 participantes tornaram-se jogadores semi ou profissionais, 94% afirmaram que sentiram impactos positivos, 73% disseram que suas vidas mudaram para melhor e 92% alcançaram uma nova motivação.


Sonho em equipe


E, neste ano, promessas de novas mudanças chegaram da Austrália com a equipe brasileira. Elogiado pelos árbitros do campeonato, o time fez bonito em todos os jogos, com exceção do primeiro, contra a Ucrânia e o nervosismo da estreia. Em seguida, o time se recuperou com grandes goleadas, uma delas sobre a Argentina por 15 a 3. No jogo considerado por todos o melhor da história, os brasileiros venceram Portugal por 2 a 1. De acordo com o treinador, Flávio Fernandes, o Pupo, eles só não foram campeões porque aconteceu uma fatalidade: com uma chuva torrencial que caiu antes do jogo contra a Rússia, nas quartas-de-final, o time escorregou muito e, o pior, o goleiro Diego Emanuel Rodrigues Alves sofreu uma contusão no dedo. Depois de perder para os russos, para a Inglaterra e empatar com a Ucrânia, o time terminou a Copa em sétimo lugar. “Eles foram muito bem, tinham condições de ganhar o título”, avalia Pupo.


Tão bem que Carlos Magno Santos, de 17 anos, recebeu o título de melhor do mundo. “Chorei muito quando disseram que eu tinha ganhado. Ser escolhido entre mais de 500 jogadores é maravilhoso”, orgulha-se. Morador de uma comunidade carente de Santos, Carlinhos cresceu jogando futebol na rua, com “gol” de caixotes ou chinelos. “Sempre sonhei ser jogador, já joguei na Portuguesa e no Litoral Futebol Clube, time do Pelé. Realizei vários sonhos de uma só vez: andei de avião, conheci outro país e joguei um mundial. No primeiro jogo, quando tocou o Hino Nacional, me emocionei.”


Diego ficou feliz em estar com o amigo de infância no grupo brasileiro e também foi um dos destaques da equipe: “Vestir a camisa da seleção é uma grande responsabilidade.”O técnico conta que depois de todos os jogos, reunia-se com os meninos para avaliar o desempenho do grupo e sempre falava da importância de continuarem os estudos, independentemente dos resultados que levassem para casa. “Falei que aquela era uma oportunidade para eles, mas que precisavam voltar e seguir os estudos. Estou conversando com alguns times para ver se conseguimos encaminhá-los no futebol, sempre reforçando e apoiando a continuidade dos estudos”, disse Pupo, que é professor de Educação Física, dono de uma escola de futebol em São Roque e treinador voluntário da seleção.


Carlinhos ficou empolgado ao saber, pela reportagem da Revista do Brasil, que há possibilidades de ele passar a acompanhar treinos do Corinthians. Arriscou até a fazer uma média, dizendo “torcer para o Timão”, mas logo confessou que torcia para o Santos até Robinho sair -agora torce apenas para o inglês Manchester City do ex-atacante santista.


O perigo do lado


Para alguns desses garotos, a batalha mais difícil não foi estar na seleção, mas não ser convocado por um vizinho perturbador e sempre à espreita: a criminalidade. Adeílton Bruno da Silva, de 17 anos, mudou-se da comunidade de Heliópolis, zona sul de São Paulo, há pouco mais de um ano. Perdeu para o crime alguns amigos com quem treinava na Associação Atlética ArtManha. “O esporte pode ajudar a vida das pessoas, é uma ponte para dar um salto. Eu vi colegas no ArtManha que treinavam, treinavam e nada aparecia. Acabaram tomando outro rumo”, lamenta.


Seu companheiro de time, Eduardo Buglia Silva, vive no Jaguaré, no outro extremo da capital paulista, e ratifica o risco. “Vi amigos meus caindo pro lado errado e fiquei muito triste. Eles não tiveram a chance de conhecer algo melhor, como o esporte, não tiveram alguém para incentivá-los, como eu tive. Meu sonho é ser jogador, mas estou estudando o ensino médio de manhã e Técnicas Administrativas à noite para me garantir.” Para ele, essa foi uma segunda chance. “Já joguei no Nacional e na Portuguesa pelo time júnior. Mas, às vezes, não tinha dinheiro nem para ir treinar, em outras eu tinha de olhar meu irmão que não tinha com quem ficar. Tive que desistir, mas estou agarrando essa chance.”


Garra, determinação e “dar tudo de si” para conseguir os três pontos - como costumam dizer os craques - não faltou para esses garotos, que semanas antes de embarcar para a Austrália podiam ser vistos treinando embaixo de viaduto no bairro do Brás, região central de São Paulo. Agora, com a missão cumprida, resta cuidar da vida que segue. De todos os brasileiros que já passaram pela experiência de participar da Copa do Mundo de Futebol de Rua, 80% mudaram de alguma forma sua condição social. “Temos pelo menos dois jogadores que são promessa para o futebol brasileiro, e outros que têm condições também. Esperamos que essa oportunidade continue influenciando para que eles saiam da condição de risco social. As pessoas passam a olhar diferente para os meninos e é assim que podem conquistar uma chance”, afirma o técnico Pupo, lapidador de diamantes.


O Brasil na Copa


O Brasil terminou a primeira fase em 2o lugar no Grupo B, que tinha também Argentina, Lituânia, Malauí, Timor Leste e Ucrânia. Venceu quatro partidas e perdeu uma, para a líder Ucrânia. Nas fases seguintes, seguiu arrasador, vencendo quatro partidas seguidas. Mas depois de perder para Rússia e Inglaterra, terminou a competição em 7º, ao vencer a Ucrânia na cobrança de pênaltis, após empate por 3 a 3. O time do Brasil tinha Adeílton Bruno, Anderson de Franca, Carlos Magno, Dênis Rodrigues, Diego Emanuel (goleiro), Eduardo Buglia, Lucas de Souza, Roberto de Souza. O campeão de 2008 foi o Afeganistão, que venceu todas as suas partidas (duas nos pênaltis), seguido por Rússia, Gana, Escócia, Quênia e Inglaterra. Na modalidade feminina, com nove seleções (o Brasil não disputou), a campeã foi a Zâmbia. A próxima edição da Homeless World Cup será em Milão, Itália. O Brasil é o mais cotado para sediar a Copa em 2010.

Por Xandra Stefanel

Revista do Brasil

Moradores de rua se preparam para participar da Copa do Mundo de Sem-teto, na Escócia. Confira as histórias destes boleiros


Confira as histórias destes boleirosUm ex-interno da Febem, um homem que por causa do vício na jogatina ficou sem dinheiro algum, um químico que perdeu esposa e filho em acidente de carro, outro que, por rebeldia, fugiu de casa... São esses alguns dos enredos de vida dos jogadores que defenderão o Brasil, entre os dias 19 e 24 de julho, na Homeless World Cup (Copa do Mundo de Sem-teto), em Edimburgo, na Escócia . A competição, que terá 32 equipes e vai para a terceira edição, é promovida pela Internacional Network of Streetpapers (INSP), uma associação de revistas sobre moradores de rua, também sediada na Escócia.A Seleção Brasileira foi recrutada pela Ocas (Organização Civil de Ação Social), entidade não-governamental de São Paulo que faz a edição brasileira da revista. A publicação é vendida a R$ 1 para os sem-teto e eles a comercializam por R$ 3, conseguindo assim dinheiro para arrumar abrigo e tirar seu sustento.

Os oito jogadores que defenderão o Brasil na Copa do Mundo foram escolhidos por seu desempenho na venda de revista, na assiduidade aos treinos e no comportamento em geral.

Sendo assim, a qualidade técnica não foi levada em consideração. Isso não acontece em todas as seleções. A equipe portuguesa, por exemplo, é formada por jogadores selecionados de um campeonato nacional da modalidade.- Você pode perceber que eles não são grandes jogadores de futebol. A idéia é mais social. Procurei enfatizar mais a preparação física, que pode melhorar o desempenho deles, em vez de muitos treinos com bola - explica Pupo, treinador da equipe brasileira.Com o aspecto técnico posto em segundo plano, a idade dos jogadores é muito variada.
O mais novo, Dário Bertolucci, tem 28 anos, e o mais velho, Augusto de Paula Viana, tem 69 e é chamado pelos companheiros de "seu Augusto", em sinal de respeito.Nascido na cidade de Canoas (RS), Dário fugiu de casa aos 19 anos por causa da má relação com o pai e a madrasta. Morando em São Paulo, trabalhou um tempo em uma instituição religiosa Hare Krishna e, depois de sair de lá, ficou desempregado. Sem recursos, acabou morando na rua até começar a vender as revistas e mudar-se para um albergue. Ele afirma que sempre foi adepto de esportes radicais, principalmente skate, mas nunca jogou futebol. Esta será a segunda vez que defenderá o Brasil na competição. No ano passado, esteve com a equipe em Gotemburgo, na Suécia, quando não passaram da primeira fase.- O resultado é o que menos importa. O legal foi entrar em contato com os moradores de rua de outros países e perceber que existe miséria em todo canto - destaca Dário. Cláudio Bongiovani, de 53 anos, também vai para o seu segundo mundial. Formado em química pela Universidade Federal de Minas Gerais, uma tragédia marcou a sua vida. Em uma viagem pelo interior de Minas, sua esposa, um filho de 4 anos, uma sobrinha de 7, o cunhado e a sogra morreram em um acidente de carro. Depois disso, Cláudio "entrou em parafuso", segundo sua própria definição, e acabou ficando sem onde viver. Com a ajuda de duas psicólogas que conheceu em trabalhos sociais foi para a Ocas e agora defende o Brasil.Apesar da finalidade social da competição, a equipe brasileira não se esqueceu da preparação. No começo de julho, os seis jogadores da equipe residentes em São Paulo (há mais dois do Rio de Janeiro) ficaram quatro dias em um pequeno sítio de São Roque (SP), numa espécie de concentração. Lá treinaram todos os dias em dois períodos para tentar um bom resultado na Copa do Mundo.

Ex-viciados ganham prestígio com futebol
Antônio César, de 32 anos, passou 18 deles na Febem (Fundação de Bem-estar do Menor), por, segundo ele, cheirar cocaína. Um dos únicos jogadores com alguma habilidade na Seleção Brasileira de sem-teto, ele é citado como um modelo de conduta por todos, já que sempre participa dos treinamentos e exige disciplina dos companheiros.- Ele é impressionante. Não é mais consumidor de drogas e participa sempre dos treinos - destaca Guilherme, presidente da Ocas.O vício também esteve presente na vida de Marcos José Dias, de 35 anos. Ele perdeu todo o seu dinheiro nos mais diversos tipos de jogos e ficou atolado em dívidas. Por causa disso, foi morar na rua e forçado a abandonar a mulher e seus dois filhos. Agora, com o dinheiro obtido na venda das revistas, tenta se reerguer. E comemora o fato de, jogando pelo Brasil, obter reconhecimento.- Ano passado, lá na Suécia, fomos tratados como celebridades porque o pessoal gosta dos brasileiros.

Marcos José Dias, goleiro da Seleção Brasileira de moradores de rua, passou por um episódio que ele classificou como "comovente" durante a disputa da Copa do Mundo de Sem-teto no ano passado, em Gotemburgo (SUE). Ele conheceu a sueca Lina Borjesson, que, em 2004, quando estudava música regional em Pernambuco, foi baleada e acabou ficando com parte dos movimentos da perna esquerda comprometidos. Apesar disso, ela fez questão de comparecer aos jogos do Brasil, conversou com os jogadores e ainda os levou à sua casa.- Ela disse que o tiro havia sido uma fatalidade, mas que adora o Brasil. Foi muito tocante.Borjesson ficou tão ligada aos brasileiros que foi ela quem entregou o buquê de flores destinado à equipe verde-e-amarela - todos os times foram agraciados.

Texto extraído da Revista Lance A+